Círculo de Fogo

Crítica

O gênero fantasia é, talvez, em toda a história do cinema o mais subaproveitado. Há, sim, grandes marcos, porém, estes surgiram apenas na última década e fica evidente o grande vácuo até ai, com muitos cineastas tendo que apelar para a estrutura B e acabando com seus projetos marginalizados e/ou direcionados para nichos. Foi no cenário de reconhecimento deste maravilhoso gênero que surgiu um cineasta talentosíssimo e que se provaria fascinante de acompanhar: Guilherme Del Toro. 

Foi a partir daí que ele explorou os limites do fantástico, com filmes que ao mesmo tempo eram homenagens como desconstruções deles mesmos. Neste sentido, a fenda entre nosso mundo e o do cinema sempre esteve aberta e com pouca distância (tente associar essa frase à premissa de Círculo de Fogo e surpreenda-se). 

Círculo de Fogo chega como mais uma grande homenagem, só que desta vez à uma cultura construída há poucas décadas, com a mescla das culturas pop ocidentais e orientais - era da explosão de seriados japoneses sci-fi's que continuam em alta até hoje. É um filme, então, que funciona em uma esfera própria, a referencial, que Del Toro explora com eficiência sem parecer punheta. 

É louvável então notar a criatividade de todo um universo que foi construído, na verdade, para intercalar com outros, os que está referenciado e o nosso próprio, dos espectadores. O conceito de neuroconexão é não menos que uma metáfora metalinguística, sobre como saímos do mundo real para nos conectarmos com o cinema escapista, onde podemos desafiar as leis da natureza e virar até robôs gigantes. 
Para tornar tudo mais concreto talvez fosse necessário um pouco mais de ousadia, grandiosidade, algo que, surpreendentemente, acaba pouco explorado pelo diretor, que parece, na verdade, indeciso. Del Toro parece querer enfiar momentos climáticos a todo o custo, com um discurso já manjado de código de honra e caricaturas que até funcionam nos momentos de alívio cômico, mas fora disso soam deslocadas ou artificiais demais para engolir. E acaba ficando nisso: pequenos grandes momentos, alguns desperdiçados (algumas cenas de ação são perfeitamente construídas para serem quebradas no meio, desencadeando problemas de ritmo graves).

Há algumas observações sociais interessantes, embora discretas e nem sejam o principal do filme. Vemos uma mulher tentando ocupar seu espaço em um ambiente machista, discurso anti-nacionalista e um olhar desiludido acerca do mundo industrial (com direito a mostrar o subúrbio de Hong Kong podre para, logo depois, mostrar um lugar absolutamente espaçoso liderado por um milionário de sapato dourado!). Fatores interessantes, com seu valor, mas não o suficiente para sustentar o filme - até porque é perceptível que nem era essa a intenção. A intenção, ao meu ver, era uma homenagem a arte da ficção, conexões entre civilizações. Por isso, sim, Círculo de Fogo merecia muito mais do escapismo do que a seriedade. 

Ou seja, Del Toro fez uma teoria genial, só faltou prová-la. 

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